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O hormônio que une casais também é chave para ter bons amigos?

Ocitocina é liberada durante relações sexuais, parto, amamentação e interações sociais. Pexels Uma pesquisa da Universidade da Califórnia em Berkeley su...

O hormônio que une casais também é chave para ter bons amigos?
O hormônio que une casais também é chave para ter bons amigos? (Foto: Reprodução)

Ocitocina é liberada durante relações sexuais, parto, amamentação e interações sociais. Pexels Uma pesquisa da Universidade da Califórnia em Berkeley sugere que a ocitocina — popularmente conhecida como “hormônio do amor” — também é fundamental para a formação de amizades. O estudo, publicado em agosto na revista Current Biology, mostra que a ausência de receptores para essa substância no cérebro atrasa o início dos vínculos e prejudica relações duradouras com pares. A ocitocina é liberada durante relações sexuais, parto, amamentação e interações sociais, sendo associada a sentimentos de apego, proximidade e confiança. Apesar de também estar ligada a comportamentos agressivos, ganhou apelidos como “hormônio do amor” e costuma ser estimulada por abraços, música ou exercícios físicos. Vínculos que demoram mais a acontecer Para investigar seu papel nas amizades, a equipe estudou o rato-do-campo (prairie vole), espécie que, assim como os humanos, forma relações estáveis e seletivas. Os pesquisadores observaram que animais geneticamente modificados para não ter receptores de ocitocina levavam mais tempo para preferir a companhia de um parceiro conhecido em vez de um estranho — cerca de uma semana, contra 24 horas nos animais sem alteração genética. Siga o canal do g1 Bem-Estar no WhatsApp Amar com moderação? Psicobiólogo fala sobre os efeitos da ocitocina “Os que não tinham o receptor demoravam mais para criar relações. E, quando colocados em novos grupos, perdiam rapidamente o vínculo anterior”, diz Annaliese Beery, professora associada de biologia integrativa e neurociência e autora sênior do estudo. Diferença entre amizade e acasalamento O efeito não foi igual em todos os tipos de relação. Mesmo sem receptores de ocitocina, os ratos continuavam dispostos a buscar seus parceiros reprodutivos, mas não mostravam o mesmo empenho com amigos, segundo os testes. Isso indica que o hormônio é mais importante na seletividade das interações sociais do que na sociabilidade geral. Além disso, os ratos sem receptores eram menos agressivos e mais tolerantes com desconhecidos — um dado que, para os cientistas, reforça a ligação da ocitocina tanto com comportamentos de aproximação de indivíduos do “grupo” quanto com rejeição de “estranhos”. O que isso pode dizer sobre humanos Embora o estudo tenha sido feito com roedores, os pesquisadores afirmam que ele pode ajudar a entender distúrbios psiquiátricos, como autismo e esquizofrenia, que afetam a capacidade de criar ou manter laços sociais. “O prairie vole nos permite investigar a neurobiologia da amizade e como ela se diferencia de outros tipos de relacionamento”, disse Beery. No caso do autismo, existem diferenças na forma como a ocitocina atua no cérebro, o que poderia contribuir para dificuldades de leitura de sinais sociais, reconhecimento de expressões faciais e construção de vínculos próximos. Já na esquizofrenia, alterações nos sistemas de recompensa social e no processamento de confiança e empatia — funções ligadas à ocitocina — podem estar associadas ao isolamento social ou a interações sociais fragmentadas. A pesquisadora explica que, assim como os prairie voles, os humanos criam relações seletivas — preferem certos indivíduos a outros — e que esse “filtro social” é, em parte, mediado pela ocitocina. Quando esse sistema falha ou é menos eficiente, o resultado pode ser um padrão de interação mais difuso, com dificuldade para reconhecer, valorizar ou manter laços específicos. Segundo Beery, o modelo com os prairie voles é útil porque permite isolar e estudar a fase inicial da formação de laços, algo que muitas vezes é prejudicado nessas condições. Ao identificar que a ocitocina atua como um acelerador para criar e manter amizades, os cientistas ganham pistas sobre como modular esse sistema, seja com medicamentos, terapias comportamentais ou intervenções combinadas. A equipe também usou um sensor inédito para medir a liberação de ocitocina no cérebro. O dispositivo mostrou que, sem o receptor, a substância era liberada em menor quantidade e em menos pontos de uma região ligada à recompensa social, o núcleo accumbens. Para Beery, a tendência de formar vínculos seletivos — mesmo que não reprodutivos — pode ser um traço antigo na evolução de alguns mamíferos e talvez tenha precedido a monogamia em certas espécies.